Era 30 de outubro de 1938. A rádio CBS e suas afiliadas de costa a costa dos Estados Unidos, transmitia, dentro do programa Radioteatro Mercury a peça “A invasão dos marcianos”.
Na adaptação da obra A Guerra dos Mundos do escritor inglês H. G. Wells, centenas de marcianos chegam em suas naves extraterrestres a uma pequena cidade de New Jersey chamada Grover's Mill. Era uma peça, literalmente. E a produção e direção do programa foram creditados ao então jovem e quase desconhecido ator e diretor de cinema norte-americano Orson Welles. O que os responsáveis pelo programa não poderiam imaginar foi a resposta imediata do público. Muitos ligaram seu rádio receptor depois da informação de que o que seria veiculado não passava de ficção. Resultado: acreditaram que as notícias eram reais. A Terra estava sendo invadida por alienígenas. Foi um corre-corre.
A CBS calculou na época que o programa foi ouvido por cerca de seis milhões de pessoas, das quais metade passou a sintonizá-lo quando já havia começado, perdendo a introdução que informava tratar-se do radioteatro semanal. Pelo menos 1,2 milhão tomaram a dramatização como fato, acreditando que estavam mesmo acompanhando uma reportagem extraordinária. E, desses, meio milhão tiveram certeza de que o perigo era iminente, entrando em pânico e agindo de forma a confirmar os fatos que estavam sendo narrados: sobrecarga de linhas telefônicas interrompendo realmente as comunicações, aglomerações nas ruas, congestionamentos de trânsito provocados por ouvintes apavorados tentando fugir do perigo que lhes parecia real, etc. O medo paralisou três cidades. Pânico ocorreu principalmente em localidades próximas a Nova Jersey, de onde a CBS emitia e Welles situou sua história. Houve fuga em massa e reações desesperadas de moradores de Newark e Nova York (além de Nova Jersey), que sofreram a invasão virtual dos marcianos da história.
Tudo não passava de um enorme mal-entendido, que acabou por demonstrar o extraordinário poder dos veículos de comunicação em massa.
Basta uma leitura superficial das Escrituras, pra nos dar conta de que há dois mundos em conflito.
Fique tranqüilo que o assunto do qual quero tratar não envolve invasão alienígena. Não se trata de uma guerra entre nosso mundo e habitantes de outro planeta ou mesmo de outro plano espiritual.
Também não vou tratar de “batalha espiritual”, assunto que nos anos 80 e 90 alcançou o apogeu entre os evangélicos, por conta do sucesso obtido pelo romance “Este Mundo Tenebroso”, do escritor norte-americano Frank Peretti. Infelizmente, o que não passava de ficção, acabou gerando verdadeiras aberrações doutrinárias. Um exemplo mais recente disso é o efeito provocado pela série “Deixados pra trás”, de Tim LaHaye and Jerry Jenkins. Parece que a tendência de se confundir ficção com realidade não diminuiu desde 1938.
Deixando a ficção, e retornando à realidade, constatamos pelas Escrituras que vivemos em meio a uma guerra entre dois mundos , ainda que não estejamos inteiramente conscientes disso.
Há um mundo que é alvo da justa ira de Deus, e que somos proibidos de amá-lo (1 Jo.2:15). Mas também há um mundo que é de tal forma amado por Deus, que Ele foi capaz de enviar Seu unigênito para salvá-lo (Jo.3:16).
O mundo que devemos rejeitar não começou na Criação, mas na Queda. Tendo Adão como pedra de esquina, esse “mundo” está sustentado sobre três pilares: a cobiça da carne, a cobiça dos olhos e a soberba da vida (1 Jo.2:16). É, por assim dizer, uma deformidade, uma anomalia, uma espécie de tumor maligno destinado a ser extirpado.
De acordo com João, esse “mundo” jaz no maligno (1 Jo.5:19). Portanto, ele está irremediavelmente morto. O golpe fatal que o levou à morte foi desferido na Cruz. Por isso Paulo diz que o mundo estava crucificado para ele (Gl.6:14). Embora morto, tem aparência de que ainda vive. Mas é apenas isso: aparência.
Quando alguém morre, algumas das funções do organismo continuam por algum tempo. As ordens enviadas pelo cérebro antes de parar devem ser atendidas pelos órgãos. Por isso, as unhas e os pelos continuam a crescer. Até o aparelho digestivo mantém o funcionamento (isso explica o fenômeno do “pum” liberado por alguns defuntos durante o velório, causando enorme susto nos presentes). Todavia, o coração e o cérebro pararam. Portanto, não há sinais vitais ali. Só restou a aparência.
Assim sucede ao mundo começado em Adão. Ele está morto! Não há sinais vitais. Não há esperança para ele. Como a igreja de Sardes descrita em Apocalipse, o mundo tem aparência de estar vivo, mas está morto (Ap.3:1).
Definitivamente, não pertencemos a esse “mundo”. Fomos desarraigados dele (Gl.1:4). Se Deus nos deixasse presos a ele, estaríamos fadados ao mesmo destino que ele. Seria como se agarrar a algo que está afundando.
Nas palavras de Paulo, fomos arrebatados do império das trevas, e transportados para outro Mundo, chamado também de reino de Deus (Col.1:12-13).
Não esperamos por um arrebatamento secreto. Já fomos arrebatados!
Somos cidadãos de um extraordinário mundo novo.
Este mundo novo não se encontra em outro lugar do Universo, nem mesmo em outro plano espiritual. Esse “mundo” pertence ao futuro.
O primeiro mundo é fundamentado em Adão, é representado pela Torre de Babel, e edificado em torno dos interesses humanos. O novo mundo é fundamento no novo Adão, Jesus Cristo, é representado pelo Pentecostes e edificado em torno do Trono de Deus.
De acordo com o escritor de Hebreus, os discípulos de Jesus experimentaram “os poderes do mundo vindouro” (Hb.6:5).
Embora esteja no porvir, os poderes desse novo mundo vieram do futuro ao encontro de um povo, a igreja, a fim de servir-lhe como força propulsora, impulsionando-a em direção ao alvo: o estabelecimento de uma nova civilização, centrada em Cristo, edificada ao redor do Seu trono de amor e graça.
O fenômeno ocorrido no Dia de Pentecostes foi uma subversão da ordem natural do tempo. O futuro nos visitou!
Quando o Espírito do Futuro nos visitou, Ele constituiu um povo pertencente a uma nova ordem de coisas. A Igreja é este povo que foi desarraigado deste “presente século” (Gl.1:4), para anunciar a glória do Mundo do porvir.
A palavra “século” vem do grego aión, e pode ser traduzida por mundo, ou ainda por Era.
Uma das principais características da Igreja é ser voltada para o futuro. O próprio nome “ekklesia” significa “voltados para fora”. Portanto, ela não vive nem para si mesma, nem para o presente em que está inserida; ela vive em função do futuro. É de lá que ela vem. Ela não pertence a este tempo.
Uma igreja voltada para o futuro não pauta suas ações apenas nos resultados imediatos, mas principalmente nos resultados que serão colhidos à médio e longo prazo pelas próximas gerações.
Tudo o que Deus tem feito por meio dela tem como propósito “mostrar nos séculos vindouros a suprema riqueza da sua graça” (Ef.2:7). A propósito, isso demonstra que o fim do mundo jamais foi a expectativa dos cristãos primitivos. Paulo e os demais criam que a História estava só começando. Quem fala de "séculos vindouros", não pode está esperando o fim dos tempos.
Não devemos entender “futuro” como aquilo que virá depois que a História for encerrada.
Futuro é aquilo que precisa ser construído. Ainda que do ponto de vista de Deus tal futuro já seja real, para nós é algo a ser alcançado, e pelo qual devemos trabalhar.
“Reino de Deus” é outro nome usado para o mundo futuro. Ele não é deste século. Ele pertence ao futuro, ao mundo porvir. Porém, não temos que simplesmente esperá-lo. Ele já está entre nós.
O velho mundo foi confiado aos anjos, porém o novo mundo está unicamente submetido ao Cristo de Deus. Por isso, o escritor sagrado declara: “Porque não foi aos anjos que sujeitou o mundo futuro, de que falamos” (Hb.2:5). Deixamos de ser tutelados pelos anjos, para estarmos sujeitos diretamente ao Pai, através do Filho (Gl. 3:19; 4:1-5). Veja que dado interessante: o verbo “sujeitar” está no passado, subentendo que é algo já ocorrido. O mundo futuro já foi sujeitado a Cristo. O que está por vir, já veio. O futuro já começou!
Para que este maravilhoso Mundo Novo tivesse garantida a sua existência, o Cordeiro teve que ser imolado antes de todos os antes.
“Mas, vindo Cristo, o sumo sacerdote dos BENS FUTUROS, por um maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta criação” (Hb.9:11).
É interessante notar que algumas versões trazem “bens já realizados”, enquanto outras trazem “bens futuros”. Da perspectiva divina, o futuro já se consumou.
Através de Seu próprio sangue, Cristo adentrou o mais sagrado dos recintos do Universo: o Santo dos Santos. Lá não há passado, presente ou futuro, e ao mesmo tempo, lá o lugar de convergência, onde todos os tempos se encontram. O Santo dos Santos não é apenas um lugar, é a total ausência de tempo e de espaço. O que os físicos modernos chamam de vácuo quântico.
O escritor sagrado nos informe que “Cristo não entrou em santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu, para comparecer, AGORA, por nós, perante a face de Deus” (Hb.9:24). Este “agora” é a síntese perfeita de todos os “agoras”, de todos os “antes” e “depois”.
O sacrifício de Cristo não poderia ter se dado em outra época. Ele tinha que acontecer na “plenitude dos tempos”, ou ainda, na “consumação dos séculos”. Um portal se abriu no tempo e no espaço, um portal entre o Cronos e o Kairós. A abertura deste portal é representada pelo rompimento do véu que separava o Santo dos Santos do resto do Templo.
Por isso, o sacrifício de Cristo tem caráter definitivo. Diferente dos sacrifícios levíticos, que tinham quer repetidos todos os anos. Esses sacrifícios eram apenas a pálida representação do que deveria ocorrer na Plenitude dos Tempos, e que garantiria a realização dos bens futuros.
Observe o que diz o escritor:
“Porque tendo a lei a sombra dos BENS FUTUROS, e não a imagem exata das coisas, nunca, pelos mesmos sacrifícios que continuamente se oferecem cada ano, pode aperfeiçoar os que a eles se chegam” (Hb.10:1).
Sacrifícios feitos dentro do tempo não podem garantir bens futuros. Somente um sacrifício feito fora do tempo e do espaço.
Foi por este mesmo portal que os poderes do mundo vindouro invadiram a presente Era.
Que “poderes” seriam estes?
Em Efésios 6:12, lemos acerca dos “poderes deste mundo tenebroso”. Em 1 Coríntios 2:6, lemos sobre os “poderosos deste mundo, que se aniquilam”.
O fato é que tais poderes foram destituídos, quando Cristo verteu Seu sangue no Madeiro.
Porém, eles se valem da ignorância das pessoas, para mantê-las sob o seu domínio maléfico e patético.
Urge declarar ao mundo que tais poderes foram depostos, e que os reinos deste mundo vieram a ser do Senhor e do Seu Cristo.
A bem da verdade, todos nós, enquanto ignorantes, estivemos sob o domínios de tais poderes, andando “segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência” (Ef.2:2).
Porém agora, fomos ressuscitados com Cristo, e estamos assentados nas regiões celestiais, “acima de todo principado, e autoridade, e poder, e domínio, e de todo nome que se nomeia, não só neste século, mas também no vindouro” (Ef.1:21).
Fomos instituídos no lugar deixado vago por aqueles que foram destituídos. Somos agora os representantes do futuro, anunciando a soberania d’Aquele que era, que é e que há de vir. Não se trata de ficção teológica ou científica, mas de fato inconteste, respaldado pelas Escrituras.
Os poderes do mundo tenebroso tentam nos acorrentar ao passado, através de suas acusações. Os poderes do mundo vindouro nos convocam a trabalhar pelo futuro.
Os poderes do mundo tenebroso se alimentam do pó da terra; os poderes do mundo vindouro se projetam nas estrelas.
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