Há uma diferença entre muros e paredes.
Os muros servem para nos proteger de ameaças externas. Por isso a Nova Jerusalém, representação da Nova Humanidade, a Civilização do Amor, é apresentada em Apocalipse como uma cidade murada. São seus altos muros que lhes garante que nela não entrará coisa impura. Aliás, seus muros de proteção são a prova de que ela não pertence à realidade porvir. Que ameaça exterior sofreríamos na eternidade, se nossos inimigos já não representarão qualquer perigo?
A Nova Jerusalém é a sociedade definitiva, que se configura no mundo, dentro do processo histórico, e que encontrará sua plenitude na consumação da História. Por isso, ela é cercada de muros. E não poderia ser diferente. Sem eles, estaríamos expostos à infiltração de todo tipo de malignidade.
Definitivamente, necessitamos de muros. E o próprio Deus Se compromete a ser esse "muro de fogo" ao nosso redor. Por isso, o maligno não nos pode tocar. Como diz em Apocalipse, estamos guardados "fora da vista da serpente".
E quanto às paredes? Pra que serviriam?
As paredes são internas, e só servem para nos separar uns dos outros.
A Cidade Celestial tem muros, praças, portas, porém não tem nem templos, nem paredes. E sabe por quê? Porque a religiosidade é uma das maiores responsáveis pela divisão entre os homens.
A espiritualidade nos provê muros. Mas a religiosidade nos constrói paredes de separação.
Ao dividir os ambientes, as paredes promovem visões diferentes da realidade. Cada um só enxerga o seu próprio lado. São interpretações unilaterais que tendem a se impor sobre as outras. Onde há paredes, as opiniões divergem porque são versões da verdade, e não a verdade em si.
Já a espiritualidade bíblica nos propõe uma integração, uma síntese, que só é possível quando há encontro, diálogo, partilha e coexistência pacífica.
Em Atos 23:1-9 nos deparamos com uma situação inusitada vivida por Paulo. Seus opositores o acusavam de sedição, e por isso o levaram às barras do Sinédrio para ser julgado.
"Paulo fitou os olhos no Sinédrio, e disse: Irmãos, até o dia de hoje tenho andado diante de Deus com toda a boa consciência. Mas o sumo sacerdote, Ananias, mandou aos que estavam junto dele que o ferissem na boca. Então Paulo lhe disse: Deus te ferirá, parede branqueada! Tu estás aqui assentado para julgar-me conforme a lei, e contra a lei me mandas ferir? Os que estavam ali disseram: Ousas insultar o sumo sacerdote de Deus? Respondeu Paulo: Não sabia, irmãos, que ele era o sumo sacerdote; pois está escrito: Não dirás mal do príncipe do teu povo.”
Antes de saber que aquele que o mandara agredir era ninguém menos que a maior autoridade religiosa de sua época, Paulo o chamou de "parede branqueada" (O mesmo que "parede leprosa). O apóstolo reconheceu nele a tentativa de impedir a exposição do Evangelho aos seus patrícios. Ele não estava disposto a ouvir todos os lados. Por ser tendencioso, ele ouvia os acusadores de Paulo, mas não permitia que Paulo expusesse seu pensamento.
Tão logo foi certificado de que se tratava do sumo sacerdote, Paulo desculpou-se. Não adiantava indispor-se com uma autoridade estabelecidade por Deus e reconhecida pelo povo.
Pelo menos, Paulo distratou o sumo sacerdote por simples ignorância. Pior que isso é confontrar uma autoridade estabelecida por Deus conscientemente. Lembremo-nos de Davi que negou-se tocar na vida de Saul, que procurava tirar-lhe a vida. Mesmo tendo a oportunidade de fazê-lo, Davi preferiu não tocar no ungido do Senhor.
Vendo-se em maus lençóis, Paulo tentou entrar no jogo que se configurava ante seus olhos. Ele sabia que o próprio sinédrio estava dividido entre dois partidos. Havia uma parede entre os fariseus e os saduceus.
Em algum momento, Paulo achou que poderia se valer disso, e tentar escapar daquela saia curta.
“Então Paulo, sabendo que uma parte era de saduceus e outra de fariseu, clamou no Sinédrio:
Irmãos, sou fariseu, filho de fariseu. Por causa da esperança da ressurreição dos mortos estou sendo julgado...”
- Agora, os fariseus (que eram maioria!) vão ficar do meu lado, imaginou o apóstolo. Afinal de contas, eles defendiam os mesmos dogmas: ressurreição, anjos, espíritos, etc.
E parece que deu certo: “Havendo ele dito isto, houve dissensão entre os fariseus e os saduceus, e a multidão se dividiu. Os saduceus dizem que não há ressurreição, nem anjo, nem espírito, mas os fariseus reconhecem uma e outra coisa...”
Mas o que era doce durou muito pouco. “Originou-se um grande clamor e, levantando-se alguns escribas da parte dos fariseus, contendiam, dizendo: Nenhum mal achamos neste homem. E se alguém espírito ou anjo lhe falou, não resistamos a Deus. A celeuma avolumou-se tanto que o comandante, temendo que Paulo fosse despedaçado, mandou que os soldados descessem e o tirassem do meio deles, e o levassem para a fortaleza...”
Não fosse a sagacidade do comandante, Paulo teria sido linchado pela turba em polvorosa. Talvez este episódio tenha ajudado a Paulo a compreender que não vale à pena tomar partido por ninguém em certas questões. Ele, que achou que levaria alguma vantagem, quase foi despedaçado.
Como cristãos, não devemos nos valer de paredes já construídas, e sim, buscar derrubá-las, ainda que, aparentemente, nenhum vantagem obtenhamos. Sejam paredes de ordem social, racial, cultural, religiosa ou política.
Os fariseus, de quem Paulo tentou angariar a simpatia nesse episódio, foram acusados por Jesus de levantar paredes, impedindo que as pessoas tivessem acesso ao Reino de Deus.
“Mas ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Fechais o reino dos céus aos homens. Vós mesmos não entrais, nem deixais entrar aos que estão entrando” (Mt.23:13).
E não apenas os fariseus, principal partido religioso dos judeus, mas os próprios patrícios de Jesus não compreendiam a universalidade do Evangelho do Reino. Paulo diz que os judeus de seu tempo "não agradam a Deus, e são contrários a todos os homens, e nos impedem de falar aos gentios para que estes sejam salvos...” (1 Ts.2:15-16).
À medida que a igreja cristã se consolidava como um movimento independente do judaísmo, os cristãos tomavam consciência de que nada deveria impedir que as pessoas tivessem acesso ao Reino de Deus.
Por isso, o mesmo Paulo admoesta: “Não vos torneis causa de tropeço nem para judeus, nem para gentios, nem para igreja de Deus. Como também eu em tudo agrado a todos, não buscando meu próprio proveito, mas o de muitos, para que assim se possam salvar” (1 Co.10:32-33).
Questões de menor relevância que tendem a provocar divisões, devem ser desconsideradas para que a unidade seja mantida. Qualquer tipo de partidarismo ou espírito faccioso pode ser danoso ao projeto do Reino.
Cabe aqui a exortação: “...Seja o vosso propósito não pôr tropeço ou escândalo ao irmão (...) Se por causa da tua opinião se contrista teu irmão, já não andas conforme o amor. Não faças perecer por causa da tua opinião aquele por quem Cristo morreu” (Rm.14:13,15). Propositadamente, trocamos a palavra "comida" por "opinião", pois o que estava trazendo rixas dentro da igreja em Corinto eram as questões dietéticas, herdadas do judaísmo.
Será que vale à pena destruir aquilo pelo qual Cristo morreu por questões tão banais? E será que vale à pena reconstruir uma parede que custou tão caro pra ser derrubada?
Será que questões pessoais devem se interpor no andamento das coisas de Deus?
Pense nisso!
No Amor de Cristo, e na unidade do Seu Espírito.
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